quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Crônicas Livres

O que será que será?

(CENAS DO FUTURO – I)

Estamos no mundo com que todos sonhavam. Não há mais guerras nem miséria. A fome foi abolida. A antiga contradição entre natureza. Tudo é plástico. A energia foi solar supre todas as necessidades. O sistema político é a democracia eletrônica. Um computador IBM, escolhido em renhido pleito contra um da Burroughs e um russo, governa o mundo com uma secretária – uma copiadora Xerox – e um contínuo. Mas existe um conselho deliberativo, formado de gente, que o assessora. E é este conselho – ou conselhão, como o apelidou um brasileiro – que está reunido para ouvir o depoimento do chefe da saúde mundial.
- Com o recente lançamento no mercado do fígado de amianto, acho que podemos dizer, com certeza, que o homem venceu a sua luta contra a doença. Todas as doenças estão dominadas. A expectativa de vida da humanidade é praticamente infinita. Salvo acidente, claro – diz o chefe.
- Existe uma exceção, doutor.
- Bem, eu pensei que isto não fosse ser discutido aqui...
- Mas é importante, doutor. Uma doença, uma só, ainda desafia a ciência humana.
- Desgraçadamente, é verdade.
- Como vão as experiências com a vacina X 1112?
- Mal. Não fizemos progresso nenhum.
- Nenhum. Continuamos tão impotentes diante desta doença está nos trazendo problemas políticos. Algumas pessoas começaram a duvidar da nossa competência.
- Mas isso é um absurdo. Descobrimos cura para o câncer, para as doenças do coração, para tudo. O povo não pode se queixar.
- Mas se queixa. Fomos eleitos com a promessa de dar alimentação, educação, transporte, higiene, bons programas de TV, semana de dois dias e saúde perfeita para todos os cidadãos do mundo. E não estamos dando saúde perfeita.
- Eu sei, mas...
- Nosso comando de segurança informa que há bolsões de descontentamento em várias partes do globo.
- Mas...
- É preciso encontrar uma cura para o resfriado!
- Sinceramente, não sei mais o que podemos fazer.
- Cada vez que alguém espirra, perdemos um voto.
E o senhor sabe que a Oposição só está esperando a oportunidade para convocar novas eleições e lançar sua plataforma de volta ao caos que era mais divertido. Guerras, egoísmo, desemprego, serviço relaxado e a cura do resfriado. Não podemos tolerar mais o fracasso.
- Este conselho terá a minha carta de demissão ainda hoje.
- Não será preciso, chefe. Não queremos um culpado, queremos soluções.
- Sim, senhor.
- O presidente quer resultados, já. Está irritado.
Hoje mesmo, quando o programador do dia apertou seu botão , recebeu um choque que o derrubou.
- Sim, senhor.
- Todos os recursos estão sendo utilizados na pesquisa do resfriado?
- Todos. Nossos laboratórios trabalham noite e dia.
Mas em vão.
- Qual é, atualmente, o tratamento recomendado pela sua organização para o resfriado?
- Duas aspirinas.
- Mas é incrível! Não se pensou em nada melhor, todos estes séculos?
- Bem, estamos experimentando com um tipo de tratamento que talvez dê resultados. Mas é cedo para saber.
- Como é esse tratamento?
- Internamos a pessoa com resfriado e fazemos tudo para que ela piore. Cortamos as aspirinas e o suco de frutas. Damos banhos frios e depois fazemos a pessoa sentar sem roupa numa corrente de ar, fazemos andar de pés descalços no ladrilho e não se alimentar direito. Com sorte, a pessoa pega uma pneumonia e aí nós curamos a pneumonia.
- E tem dado certo?
- O internamento do paciente não tem problemas. Como os senhores sabem, os hospitais estão vazios, a não ser pelas seções e traumatologia e socorros urgentes. Até as maternidades estão abandonadas, já que não se pratica mais o... o... Como era mesmo?
- O sexo.
- O sexo. Mas, mesmo curada da pneumonia, a pessoa não fica imune ao resfriado e é grande o número de reincidentes. Tem gente que já se curou de pneumonia 17 vezes e continua voltando com coriza.
- Não há perspectiva, portanto, no seu entendimento?
- Dão. Eu...
- Que foi que o senhor disse?
- Dão.
- O senhor quer dizer”não”.
- Exatamente. Dão.
- Repita isso.
- Dão.
- É ele! É ele. É o resfriado! Ninguém respire. Evacuem a sala! Emergência! Emergência!


Luis Fernando Verissimo

- Por Paulo Sergio

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